quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Memórias

É um tanto inusitado que, arrumando a casa na madrugada, você encontre pela primeira vez um CD feito por uma ex namorada, em 2007, com o título "I don´t know what to say, i´m sorry", com a data do dia em que ela foi embora da sua casa e da sua vida.
As músicas são de época, os sentimentos estão onde deveriam estar, no passado. Mas algumas questões badalam os sinos internos, a gente mergulha não no que era nem no que passou, mas no que deveria ter passado e se insinua no futuro. Não o sentimento personalizado, mas o padrão que como asas negras se insinua inconveniente sobre os envolvimentos mais recentes, sobre o que se foi, o que se é e o que disso tudo nos tornamos. Regurgitar emoções é necessário, papear com amigos, pingar a cara do sentimento desperdiçado, rir das tempestades e aceitar novos ventos. Tudo é um pouco limpeza, um pouco o artesanato arterial das escolhas, dos sacrifícios, num campo onde até o momento nada foi sacro nem fixo.
Vivemos mesmo esperando por dias melhores, maybe it´s just a little too late anyway, se a gente não fizesse tudo tão depressa, se não vivesse tudo tão depressa, mas o que me importa o seu carinho agora? Dont fight, dont argue, give me the chance to say that i am sorry. There´s something about the way you look tonight, killing me softly with this song. After all, i´ll give up forever to touch you ´cause i know that you feel me somehow. And she´s buying a starway to heaven. It makes me wonder... tomorrow it´s gona be too late. Wanna feel stronger, and love you longer. Please forgive me, i know now what i do. Things go on and on, baby when you´re gone. In the name of love, with or without you.
Viver. Acima e além de tudo. Viver. De novo e sempre e outra vez e eternamente. E outra manhã, e outro soco, e outro treino, e outro texto, amor, espera, olhar, outras páginas, outras almas e bocas e coxas, novos enamoramentos, desejos, trapaças, desesperos, chuvas de novos desmames, e viagens e cinemas e jantares, ainda outro e outro desejo para flambar sua alma na cama e não ser nada daquilo que prometia e ser tudo o que você precisava ver. E viver. Por hora.
E no meio de tanta gente, esperei você. Entre tanta gente chata sem nenhuma graça... seja eu, seja eu, deixa que eu seja eu, e aceita o que seja seu, então deita e aceita eu. Receba o que seja seu. Beija eu, beija eu me beija. Molha eu, seca eu, deixa que eu seja o céu e receba o que seja seu...
Anoiteça e amanheça eu, afinal, é impossível ser feliz sozinho.

Adiamentos

São tantos desafios simultâneos atropelando nossa atenção, nossos projetos e desejos que se afoga a vontade que não saiba debater-se em nado, para fora do nada, do vácuo aquoso da avalanche das circunstâncias. Vontade é chave e fechadura, tranca e rodopio, abertura e esperança. É um alvo pulsante, uma certa inquietação cardíaca das catacumbas daquele silêncio intestinal que evitamos ao longo do incêndio a que chamamos vida enquanto nos hipnotiza a chama que nos asfixia. A certeza de novos agoras, de novos hojes, de um amanhã aprazível em que possamos adormecer nossos sonhos cauteriza a ferida da vida adiada, do potencial atrasado, do futuro espremido entre os dias cada vez menores. Enganamos nossa esperança e com ela se esvai aquela energia primal, ardente e ritmada da cadência sanguínea, do fluxo do que devemos ser. O maior pecado é o adiar-se a si mesmo.

Renato Kress