quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Cratofilia* digital

Porque toda relação precisa ter uma vítima e um algoz.
Porque toda relação só pode ser analisada pelo viés do poder e do controle. Não existe pai e mãe. Não existe amigo e amigo ou amiga e amigo ou amiga e amiga. Não existe professor e aluno, nem colega e colega. Avó e neto, avô e neta. Só vítima e algoz. Acabou. Não insista.
Porque é impossível que qualquer vida ou relação pessoal e privada no planeta prescinda do meu julgamento moral sobre ela.
Porque para julgar é preciso se colocar num patamar superior e eu, infalível porque identificado com a persona sorridente e indefectível do meu facebook, estou aqui como supra sumo moral da humanidade para iluminar e levar a (minha) Palavra aos pobres de espírito.
Porque o meu ponto de vista é o único sempre foi o único e sempre será o único.
Porque eu generalizo grupos que me generalizam e acredito, de verdade, que estou lutando contra o "preconceito".
Porque é fácil apontar o dedo.
Porque a ironia nos salvará. Ou não.
RK

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Memórias

É um tanto inusitado que, arrumando a casa na madrugada, você encontre pela primeira vez um CD feito por uma ex namorada, em 2007, com o título "I don´t know what to say, i´m sorry", com a data do dia em que ela foi embora da sua casa e da sua vida.
As músicas são de época, os sentimentos estão onde deveriam estar, no passado. Mas algumas questões badalam os sinos internos, a gente mergulha não no que era nem no que passou, mas no que deveria ter passado e se insinua no futuro. Não o sentimento personalizado, mas o padrão que como asas negras se insinua inconveniente sobre os envolvimentos mais recentes, sobre o que se foi, o que se é e o que disso tudo nos tornamos. Regurgitar emoções é necessário, papear com amigos, pingar a cara do sentimento desperdiçado, rir das tempestades e aceitar novos ventos. Tudo é um pouco limpeza, um pouco o artesanato arterial das escolhas, dos sacrifícios, num campo onde até o momento nada foi sacro nem fixo.
Vivemos mesmo esperando por dias melhores, maybe it´s just a little too late anyway, se a gente não fizesse tudo tão depressa, se não vivesse tudo tão depressa, mas o que me importa o seu carinho agora? Dont fight, dont argue, give me the chance to say that i am sorry. There´s something about the way you look tonight, killing me softly with this song. After all, i´ll give up forever to touch you ´cause i know that you feel me somehow. And she´s buying a starway to heaven. It makes me wonder... tomorrow it´s gona be too late. Wanna feel stronger, and love you longer. Please forgive me, i know now what i do. Things go on and on, baby when you´re gone. In the name of love, with or without you.
Viver. Acima e além de tudo. Viver. De novo e sempre e outra vez e eternamente. E outra manhã, e outro soco, e outro treino, e outro texto, amor, espera, olhar, outras páginas, outras almas e bocas e coxas, novos enamoramentos, desejos, trapaças, desesperos, chuvas de novos desmames, e viagens e cinemas e jantares, ainda outro e outro desejo para flambar sua alma na cama e não ser nada daquilo que prometia e ser tudo o que você precisava ver. E viver. Por hora.
E no meio de tanta gente, esperei você. Entre tanta gente chata sem nenhuma graça... seja eu, seja eu, deixa que eu seja eu, e aceita o que seja seu, então deita e aceita eu. Receba o que seja seu. Beija eu, beija eu me beija. Molha eu, seca eu, deixa que eu seja o céu e receba o que seja seu...
Anoiteça e amanheça eu, afinal, é impossível ser feliz sozinho.

Adiamentos

São tantos desafios simultâneos atropelando nossa atenção, nossos projetos e desejos que se afoga a vontade que não saiba debater-se em nado, para fora do nada, do vácuo aquoso da avalanche das circunstâncias. Vontade é chave e fechadura, tranca e rodopio, abertura e esperança. É um alvo pulsante, uma certa inquietação cardíaca das catacumbas daquele silêncio intestinal que evitamos ao longo do incêndio a que chamamos vida enquanto nos hipnotiza a chama que nos asfixia. A certeza de novos agoras, de novos hojes, de um amanhã aprazível em que possamos adormecer nossos sonhos cauteriza a ferida da vida adiada, do potencial atrasado, do futuro espremido entre os dias cada vez menores. Enganamos nossa esperança e com ela se esvai aquela energia primal, ardente e ritmada da cadência sanguínea, do fluxo do que devemos ser. O maior pecado é o adiar-se a si mesmo.

Renato Kress

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

TretaBoísmo

Ideias sobre as quais temos total liberdade de mudar de opinião no futuro:
1. Só entre em boas tretas.
2. Lute pelo que acredita, não por tudo o tempo todo. Isso é idiota, te cansa e te enfraquece.
3. Tempo e energia são recursos limitados: não desperdiçarás!
4. Escolha suas batalhas. Viva seus descansos.
5. Espere o melhor, prepare-se para o pior e aprenda com o que chegar.
6. Todo excesso é patológico. Deboas demais te entrega um AVC, Tretas demais dão ataque cardíaco.
7. Só a pessoa que mora no seu espelho pode dizer o que você é e o que você deve ou pode. Se não foi essa pessoa que falou, amorosamente ignore.
8. Pense sempre antes: Vale a pena? Se sim, sim. Se não, não. Soque ou abrace forte.
9. Revolte-se quando for necessário. Não tolere injustiças. A ninguém.
10. Trate como gostaria de ser tratado. Se não for possível caia fora. Na dúvida, ame.
11. Quem você acha que é para julgar quem quer que seja? Julgue-se e tome conta da sua vida. Contente-se em ter autoridade sobre você. Já é suficiente.


quarta-feira, 20 de maio de 2015

Inesperado

Eles querem que você odeie crianças. Querem que não critique seu abandono. Que aceite e naturalize a menos-valia do pobre e do negro. Querem te sensibilizar e irritar, criando um senso de identidade que te segrega do resto do mundo. Que crie um nós artificial e nele se enforque. Eles querem privatizar as cadeias, gerar mão de obra escrava, terceirizar os direitos trabalhistas e privatizar o amor. Querem que não pense e que, por não pensar, se sinta irritado e tenso quando a vida te forçar a ver mais do que as respostas patrocinadas. Eles te darão chavões e palavras de ordem para te livrar do árido trabalho de pensar por si só. E se você for acomodado e covarde o suficiente, vai mergulhar na esquizofrenia dos nós que segregam, dos nós que delimitam e que criam sempre uma camada de vidas válidas e um estrato biológico de subvidas negras e pobres, desimportantes. Eles querem que você esqueça que essas vidas pulsam desejo e amor como você, que essas vidas pulsam aceitação, olhar, vida. E se você se distanciar o suficiente, no seu quadradinho de cimento, atrás do vidro, da grade, da versão oficial dos fatos - aquela contada por quem lucra com a visão oficial das fraturas - você será o cidadão padrão: agressivo, competitivo, pró-ativo, reativo, instintivo, projetando toda sua carência existencial, afetiva, intelectual e social em consumo. Você será uma ilha. Não a ilha da bem-aventurança que te venderam no comercial sorridente, mas a ilha do medo, da ansiedade, do antidepressivo, da tensão constante, da desistência de si mesmo. Eles querem que você suporte tudo sem dar um pio. Reclamações são sinal de "imaturidade" e falta de "resiliência". Invertem a lógica da vida. Para eles quem tem forças para lutar não é "resiliente" o suficiente, ainda não desistiu completamente. Eles querem que você acredite que se ainda não desistiu, você ainda é infantil. Logo eles, que querem transformar todos os anseios humanos, toda a riqueza das nossas almas e experiências em consumo, eles que nos vendem a certeza (pueril) de que sem desistência não dá pra ser feliz. Sinceramente? Quer mesmo irritá-los? Seja o inesperado.

Vaidade

- Você é vaidoso, não?
> Sim, as pessoas tem características e essa é uma minha. Perceber ela te envaidece de que maneira mesmo?

Renato Kress

Cístole, diástole

Amor, aquilo que une.
Ah, mas segregar é mais gostoso! Te dá um senso de identidade, um pertencimento, um distanciamento dos "outros", uma dificuldade de dialogar, uma necessidade de provar que está certo antes de ouvir o outro, um machismo, um racismo, um achismo, uma misoginia, um fechamento ao diálogo, um discurso de ódio, uma sensação de pretensão de superioridade infantil, um ego inflado, uma sensação de isolamento, uma síndrome do pânico, um desespero, uma crença paranóica e totalitarista de que você precisa agredir, humilhar, enfim eliminar todas as "dissidências", dentes rangendo por mais uma cruzada de ódio aos "infiéis" do planeta!!!
Vamos lá segregando, gente! Guetificando a questão social para a maior gloria dos que já estão - e assim permanecerão - no poder. Parabéns aí, hein! Gerando ódio mesmo! Super inteligente. Super vai dar certo. Como sempre deu, não é mesmo?
Amor e bom senso andam sempre de mãos dadas. Se não estiverem juntos, desconfie! São só sósias! Simulacros que agradam ao ego infantil que precisa generalizar e anular a identidade alheia para acreditar que a sua esteja sendo vista.
Um bom dia a todos. Aos que já amam e aos que ainda segregam. Enquanto não chegarmos juntos nunca chegaremos todos.

Renato Kress

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Através

Ás vezes eu não estou em mim. Eu olho, mas é através. Escuto, mas é um som meu mais que das ruas, pessoas, espaços. Caminho, mas os passos me fogem. Às vezes eu estou no outro. Isso é desde criança. Fico imaginando como um cachorro me vê passando. Se ele sente o cheiro de sabonete ou de mato no meu tornozelo. Me vejo pelos olhos mareados de um senhor de bengala e, através dele, lembro que deve ser bom demais ter seus trinta e poucos anos, vigor, planos e projetos. Olho uma senhora vendendo balas e um menino que passa correndo se tropeçando pelas minhas pernas. De todos eles me vejo passando, ora como um rapaz educado, "playboy", "só mais um", obstáculo. O que sou para os outros faz parte do que sou também. E não é máscara nem produção ou projeção da psique, nem construção social nem substrato cultural, nem entendimento, nem vontade. Eu sou objeto num mundo de sujeitos também. Desses sujeitos que acabo coisificando na minha frágil tentativa de não me afogar na avassaladora riqueza da pluralidade do mundo. Eu generalizo e sou generalizado. Sou só mais um, um passante, um jovem, um adulto, um menino, um obstáculo, um transeunte, um engomado, um quatro-olhos. Às vezes eu gosto, e gosto de verdade, de não estar em mim. De me ver pelos olhos da moça que toma café na livraria do meu lado, de saber que da perspectiva do livreiro é possível ver o meu piercing, que eu mesmo quase nunca vejo, de me ver de perfil, coisa que quando estou em mim só tenho em foto. Sair de mim e voltar, sem entrar, através das córneas alheias é um aninhar-se na desimportância da multidão que passa e, com ela, perder toda gravidade densa, árida e íntima de mim mesmo. É rever-se leve, passante, talvez educado, mas com certeza completamente desimportante, é perceber o peso do olhar e da vida do outro. Tornar a vida leve e respeitar o peso da vida alheia. É muito bom quando, às vezes, sem querer, me percebo sem mim.
Renato Kress

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Segredos

Todo mundo deveria ter projetos secretos. Mas secretos mesmo, desses que não precisam de ajuda para serem guardados, sabe? O segredo é um privilégio do poder, um sinal de participação no poder. Desperdiçamos muita energia, tempo e tesão vivendo o "como se" ao invés de dar dois passos para trás, planejar, e mergulhar de cabeça naquilo que está pedindo para florescer dentro do nosso peito.
Mas o segredo é sagrado. Por que? É que aquele que é capaz de guardar os seus segredos adquire uma força de dominação incomparável sobre si mesmo e sobre o seu destino. É que a energia represada de um projeto não curtido, comentado ou compartilhado tende a ir se avolumando, inflando, numa lenta e deliciosa gestação que - você acaba se convencendo - ainda te arromba o peito de felicidades!
Mas tem que ser algo que te apaixone, te encante, te ressoe nos ossos quando você fala sobre ele para si mesmo antes de dormir. Tem que ser a sua pedra filosofal, e, como os sacerdotes do Egito, você tem que criar um vocabulário íntimo de símbolos e significados que só pertencem a você e ao seu segredo. Nenhuma pérola a nenhum porco!

terça-feira, 5 de maio de 2015

Símbolos do Self

"A árvore Yggdrasill, situada no centro, simboliza e ao mesmo tempo constitui o universo. Seu cume toca o céu e seus galhos abraçam o mundo. Uma das raízes enterra-se no país dos mortos (Hel), outra na região dos gigantes, e a terceira no mundo dos homens. Desde sua emergência (desde que o mundo foi organizado pelos deuses), pesou sobre Yggdrasill a ameaça da destruição: uma águia tenta devorar-lhe a folhagem, seu tronco pôs-se a apodrecer, e a serpende Niddhog começou a roer-lhe as raízes. Num dia próximo, Yggdrasill desabará e será o fim do mundo (Ragnarök).
Trata-se, evidentemente, da bem conhecida imagem da árvore universal situada no centro do mundo e que liga os três níveis cósmicos: Céu, Terra e Infernos. (...) a árvore, isto é, o cosmos - com seu próprio aparecimento, anuncia a decadência e a ruína final; o destino, Urdhr, está escondido no poço subterrâneo onde mergulham as raízes de Yggdrasill, em outras palavras no próprio centro do universo. (...) Yggdrasill encarna o destino exemplar e universal da existência; toda forma de existir - o mundo, os deuses, a vida, os homens - é perecível, e no entanto suscetível de ressurgir no começo de um novo ciclo cósmico." - Mircea Eliade, in 'Celtas, Germanos, Trácios e Getas', no livro História das Crenças e das Ideias Religiosas Vol.2

A maior intuição, talvez a maior sabedoria sobre o simbolismo do "Self" (Si-mesmo), da condição humana. Temos em nós todas as potencialidades: os abismos frios dos infernos e as frutificantes divindades criadoras, a guerra convulsiva e a paz restauradora, o conflito e o repouso. Nosso destino é o que nasce e emana de nosso próprio eixo, nossa integridade depende do equilíbrio, do fluxo de seiva entre nossas ideias e nossas entranhas. Temos o grande potencial de sermos o centro criativo de um universo único e intransferível e, se formos sábios e bravos o suficiente, saberemos que tudo o que há está destinado a perecer, definhar, morrer. A vida plena é uma consciência e uma escolha. E muitos povos ancestrais já conheciam essas realidades da alma.

O que essa imagem diz a você?

terça-feira, 28 de abril de 2015

Leituras Sociais

Leituras sociais

Às vezes o gentleman é só um lobo paciente.
Às vezes a doçura do sensível é só a consciência da sua avassaladora força perante a pequeneza da covardia de quem se esconde atrás de máscaras.
Esmagar uma traquéia é um potencial que se deve levar em conta quando se entrega uma flor. Um potencial que deixa a escolha da flor e da entrega ainda mais bela.

Renato Kress

domingo, 26 de abril de 2015

Sem pressa

Eu queria amar sem pressa. Sem a necessidade desse viver voraz que consome minutos, experiências e tempos sem deixar maturar nada. Sem a expectativa dissolvente de que cada latejar de oportunidade vai sumir no primeiro piscar de olhos. Eu queria amar sem pressa.

Eu queria olhar sem pressa. Sem essa concepção fluida de que o mundo está de passagem, e com ele as pessoas e os átomos e os planetas e as galáxias girando e correndo em círculos infinitos. Sem a ideia de que eu também sou passagem e, acreditando nisso, me torno um borrão tímido. Eu queria olhar sem pressa.

Eu queria amar sem ânsia. Saber colocar pé ante pé em cada um dos estratos entre a superfície e o abismo, entre o hoje e o amanhã, e o depois de amanhã, e o futuro incerto, móvel e turvo como as profundezas do oceano. Saber conspirar embaixo d´água. Eu queria amar sem ânsia.

Eu queria olhar sem ânsia. Saber delinear a silhueta do destino sem vontade de decifrar, só pelo prazer do olhar, saber abrir a boca de espanto perante o universo sempre novo que se apresenta diante de mim sem o cinismo e o ceticismo dos nossos dias. Eu queria olhar sem ânsia.

Eu queria uma vida dessas. Dessas de quem ama sem pressa.

Renato Kress

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Caos e criação

"Todas as grandes mudanças são precedidas pelo caos." - Deepack Chopra
Se parece caótico, é provavelmente um bom começo. Sementes precisam se sentir cercadas pela escuridão até que cresçam seu caminho para fora dela. 

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Sobre picaretas

"Depois que você deixa um charlatão ter poder sobre você, você raramente pega o poder de volta" - Carl Sagan
Ah, os charlatões. Discípulos de todo trapaceiro mítico. O mundo às vezes me parece completamente entregue à picaretagem e ao mau caratismo. Mas que bom que eles existem, que bom que eles borram as linhas entre o certo e o errado. No caminho de mostrar suas picaretagens e de levar suas manipulações à público descobrimos muito sobre o mundo. Com sorte até recriamos o mundo. Acho que devemos agradecer diariamente aos nossos adversários (se é que podemos usar essa palavra) por nos fazer caminhar. Obrigado, picareta, malandro, trapaceiro. Observando seus tropeços eu reconheço outros caminhos.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Sobras

Somos uma espécie de sobra, aquilo que resta do choque entre nossas potências e os desafios da vida. Nunca sobramos intactos, mas alguns sobram soberanos.